quarta-feira, 3 de março de 2010

Massa, queijo, manjericão...e pessoas

A campainha tocou e ela imediatamente esboçou um sorriso. Foi em direção à porta, passou a chave e abriu a passagem para a visita, sua filha. Um abraço afetuoso, os olhares cúmplices de muitos anos de conversas, de passado, de confiança. A porta se fecha atrás das duas que vão diretamente em direção...
...à cozinha...
Um lugar aconchegante, onde todos se sentem mais próximos, mais seguros a ponto de trocar confidências, suspeitas, sonhos. A casa arrumada, a cozinha preparada para o começo de uma longa conversa, não séria, mas comprometida com momentos únicos. A refeição quase pronta, com quase nada preparado. A massa, feita com 100 g de farinha de trigo peneirada, misturada com 1 ovo inteiro, ligeiramente batido. Nem muito nem pouco. O suficiente para dar sabor a um momento muito simples e deliciosamente especial...
...o almoço...

O molho feito com tomates frescos, comprados no melhor dia do mercado, escolhidos um a um como se fossem pérolas. Depois de deixá-los por menos de 1 minuto em água quente para tirar a pele, foram meticulosamente cortados em pequenos cubos, quase que medidos com régua. Idênticos. A panela com o azeite, recém aberto, foi levado para o fogo médio, esquentou e os cubinhos de tomate foram colocados junto com cebola, alho, e um pouco de sal. Alguns minutos depois, o molho fresco estava pronto. Algumas folhas de manjericão. Delicioso.
A conversa estava solta, como se o tempo e a distância não existissem. Há muito tempo que esta cena não se repetia e a proximidade das pessoas fazia com que a distância física não fosse importante. Importante é a seriedade de momentos simples e profundos, compartilhados por pessoas simplesmente sinceras e claras. Um toque de azeite, risadas, molho caseiro de tomate quase cru, lembranças, reflexões.
A massa foi aberta com um rolo até ficar com uma espessura bem fininha, enquanto as novidades eram contadas. Momentos vividos. E os não vividos também eram vividos e revividos.
Depois cortaram quadrados da massa, o queijo ralado colocado em montinhos no centro de cada quadrado. A massa foi dobrada e redobrada em torno do centro onde estava a porção do queijo até ficar dobradinha como se fosse uma almofadinha. E cada almofadinha era uma novidade contada, embrulhada bem delicadamente para que cada momento não escapasse para fora do embrulho. Que cada momento, lembrança ou sentimento fossem guardados em segurança e ninguém pudesse mexer ou mudá-los. Intocáveis. Mas que permanecessem lá, para serem degustados novamente.
O espumante aberto, os sonhos, frustações, conquistas, inseguranças, expostos como as bolhas que estavam dentro da garrafa e que depois de expostas não voltam mais para dentro da garrafa.
Cada almofadinha foi mergulhada em uma panela funda, com água quente e um fio de azeite..."para dar sabor e a massa não grudar..." segredos de uma cozinha. Dois minutos e cada uma foi recolhida e depositada em cada prato onde já estava uma porção generosa daquele molho com vários quadradinhos de tomate. O queijo parmesão ralado na hora sobre a massa como se fossem flocos de neve que quase derretem em contato com o calor. Calor, vapor, fumaça vinda de cada prato pois a massa estava servida.

Assim foi aquele almoço, como todos os outros, entre filha e mãe, filha e pai, entre irmãs e irmãos, entre namorados, casais, amigos e outros personagens, outras conversas que tenham a mesma confiança, segredos, cumplicidade. Conversas que não se intimidam se forem diárias ou anuais. A massa parece uma almofadinha, a conversa também. Almofadinha para esquentar um corpo faminto, para recostar um coração inseguro, um copo para brindar momentos felizes, reconciliações, realizações. Todas as situações.
A conversa foi assim por um bom tempo naquele dia. Foi repetida em outros dias e outros almoços e outras pessoas. Uma troca.
Cozinha deveria ser assim. A refeição poderia ser sempre assim. Os pratos também. O serviço idem.
O italiano se convidar você para almoçar com ele, isto significa que ele te considera um amigo de verdade. Dividir o momento do almoço com alguém, significa intimidade e confiança. Respeito. E eu acredito nisto.

Daniela Meira - produtora de culinária Mais Você





Um comentário:

Fabio Bertolasi disse...

Adorei esta cronica,leve como a massa que imaginei lendo, tudo bem amarrado com adjetivos e uma linha de pensamento que permeia a narrativa como se fosse um fio de azeite do bom,
Beijo grande.
Fabio